sexta-feira, 30 de junho de 2017

"Eu também já fui branco": de como a clínica do sujeito negro afeta sua vida


Uma das coisas mais extraordinárias que se pode tirar da obra do filósofo camaronês Achille Mbembe é a ácida crítica que ele faz da chamada clínica do sujeito. Para além de suas críticas à ingenuidade da autodeterminação, tanto advindas das vozes pan-africanistas quanto de demais vozes, a noção de sujeito em Mbembe, especialmente em Crítica da Razão Negra merece especial destaque.


Não quero aqui nem de longe resumir o seu pensamento que, além de fundamental, traz peculiaridades que, só lendo a sua obra, podemos descobrir.

Negro é um nome que me foi dado por alguém, inicia sua perfeita arguição o filósofo. É preciso, portanto, ter clareza de que, a reação aos efeitos do racismo, que nomeia as identidades e as posiciona na hierarquia racial e de classe, pode vir em negativa da identidade ou em autoafirmação (que aqui não se confunde com a crítica do filósofo à autodeterminação).

Negro é uma inscrição, portanto, na estrutura do discurso ocidental, no macro e micropoder, na estruturação das grandes narrativas. Não se pode negá-lo ou afirmá-lo, sem lembrar quem o nomeou estruturalmente, e para que ele foi nomeado.

A identidade não é só um objeto de reivindicação do sujeito, como a crítica culturalista ingênua tenta fazer há décadas. A identidade, sobretudo em sua inscrição no capitalismo, como mais importante sistema econômico ocidental, é muito mais uma imposição ao sujeito que, ao tê-la imposta à sua personalidade, e ao ser a identidade a personalidade inseparável do sujeito, o próprio sujeito muitas vezes não consegue fazer uma separação crítica dela nem em reflexão.

É uma discussão difícil porque merece várias encruzilhadas epistemológicas. Uma delas, é claro, vem sendo debatida pelo movimento negro, que é a difícil relação entre dois extremos: a autoafirmação etnicorracial e a afroconveniência. Isso porque o sujeito que se autoafirma, muitas vezes, só o faz porque, muitas vezes mesmo não sendo negro, tem interesses muito definidos na garantia de direitos dos negros e negras.

É uma dimensão difícil porque o Negro, a quem essa identidade foi imposta na estrutura racial e de classes brasileira, através do chicote e da escravidão, na maioria das vezes se negou. Essa clínica do sujeito que "também já foi branco", agora se autoafirma com muita dificuldade.

Os direitos ajudaram muito nessa clínica.

É preciso, entretanto, recorrer ao filósofo Jacques Derrida quanto ao sentido da palavra negro, que teve o sentido originário sempre suplementado. A inscrição do negro de forma biológica deu lugar a um negro de direitos, muitas vezes usurpado de seus direitos pelo próprio privilégio branco que, ao enxergar qualquer brecha, tenta roubar-lhe de seu lugar. Nesse caso, uma suplementação de sentido na clínica muito parecida com uma farmácia que adoece o sujeito, para fingir curá-lo.

O racismo não pode me fazer de doente para me curar. Os dois sentidos do negro  são sempre usados pela branquitude, e esse é o sentido mais caro de construção da minha racialidade. Ela se afirma mais em resistência do que em essência.

Por isso, a noção de clínica do sujeito é tão importante em Mbembe. Isso porque ele entende que a ação do colonizado é sua maior arma emancipadora. A nossa racialidade negra está nessa grande luta do capitalismo, usada como base na divisão do trabalho, provida aqui e acolá originariamente no colonialismo e na condição servil dos negros e negras, e agora suplementada pela usurpação dos direitos e  criminalização e morte aos nossos corpos.


Para ver mais: MBEMBE, A. Crítica da Razão Negra. Trad. Marta Lança. Lisboa: Antígona, 2014.

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2 comentários:

Roberto Warken disse...

Ótimo texto!

Porque eu tenho que dar uma identidade a alguém? Para localizá-lo, exercer minha força e, meu poder. Assim, posso desconstruí-lo como sujeito!

Unknown disse...

Amei a reflexão, Gabriel!

!agora que descobrimos quem realmente somos e o que fizeram conosco, nossos antepassados, podemos usar a nossa racialidade como instrumento para a LUTA POLÍTICA. beijos!!!

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"A raça é um signo duplo, cujo significante aponta para dois significados: opressão e resistência"

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