quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

O tráfico também empodera o povo negro
Foto: Beto Junior/Correio



Precisamos falar de poder. Sério. Seríssimo. E, como sempre defendo o empoderamento do meu povo, o povo negro, hoje quero falar um pouco das diversas construções de sentido do termo “empoderamento”.
Assim como tenho falado que o termo “local de fala” pode ser entendido através do lócus de enunciação do sujeito, o mesmo se dá com o termo “empoderamento”.
Empoderamento é o ato histórico de conquista do poder. No entanto, não há um só poder. Como bem disse Foucault, o poder está em toda parte e traduzido de diversas formas. Porém, é na interpretação profunda que Achille Mbembe faz da razão negra que podemos entender que poder é signo e, como signo, pode se dar sob o próprio aparelhamento da branquitude.  
Da branquitude e do capitalismo.
Num sistema capitalista não só é necessário ser antirracista, é preciso ser anticapitalista.
Iniciei este texto com um título polêmico que me retorna ao lugar de onde vim. Nele, muitas vezes, o tráfico é a única forma de empoderamento do povo negro. Longe de romantizar esse lugar (que não é dominado pelos negros daquele lugar, mas por senhores de escravos que, historicamente, são flagrados dominando o mercado de drogas na América Latina e permanecem impunes), o tráfico não pode ser romantizado. É sobrevivência e, nesse sentido, espaço de contingência. Na cabeça de um jovem de 15 anos, esquecido pelo aparato estatal e distante da escola e do trabalho, de um trabalho decente, a metralhadora é, literalmente, a sua arma mais próxima. A forma de exercer poder ali mais próxima é aquela.
 Nem o tráfico pode ser romantizado e nem o traficante. Nessas idas e vindas, conversando com um irmão desses que vive de “bicos” no tráfico, ele me dizia, a despeito do poder: “são eles que me dá as coisa”, sem completar que não tinha como virar as costas para eles.
É uma grande e incorrigível rede de empoderamento. Mas empoderamento via capital. É lógico que esse empoderamento não é o mesmo que falamos quando reivindicamos justiça contra o racismo estrutural, quando soltamos nossos cabelos e quando nos levantamos contra o racismo. Isso deve ser estimulado no dia a dia. Somos e fomos crianças que nunca recebemos um “você é lindo”. Passo muitas vezes nas ruas fazendo esse exercício e as respostas são sempre surpreendentes.
Porém, não podemos relativizar ou absolutizar as formas de poder. Há várias formas de poder, em contingência ou em ação. E o poder contra o qual lutamos para exercermos o poder é o poder colonial. Em nosso discurso deve estar a explicação sobre contra qual poder nós lutamos. E nós lutamos contra o colonialismo.
Lutar contra o colonialismo implica conhecê-lo. Por exemplo, não adianta lutar contra a “palmitagem” sem conhecer a complexidade da formação dos relacionamentos inter-raciais, em geral segmentados por valores de gêneros (como é o caso da solidão da mulher negra) e de classe (a mulher negra está em estratos específicos mais pobres da sociedade).
E, por último, lutar contra o colonialismo é lutar contra o capitalismo. Não é possível empoderar de verdade nosso povo numa verdade capitalista.
Estamos passando por uma primavera necessária no regime capitalista brasileiro e mundial. É uma primavera que, muitas vezes, se levanta contra o fascismo (nos EUA) ou contra a barbárie neocolonial (aqui). Não se pode deixar de estimular a beleza e a vaidade do nosso povo e nem de lutar para que os nossos sejam reconhecidos.
Porém, uma das grandes verdades advindas de Nancy Fraser, talvez num suspiro de suas reticências mais tardias, é de que não basta reconhecimento, é preciso redistribuição.
Na verdade é o que o povo negro há muito diz no Brasil. Basta ver a luta de Luísa Mahin, de Dandara, de Maria Felipa ou do Dragão do Mar.
Redistribuição é não se limitar a este tempo. É não se limitar ao capitalismo financeiro, estrategicamente estético. É não se limitar ao multiculturalismo liberal.
Redistribuição é lutar contra o colonialismo e contra o capitalismo. Nascidos como irmãos na Modernidade, não é possível pensar a América Latina, raça e etnicidade sem pensar os dois. Não é possível pensar que o capitalismo se tornaria o grande ator do mundo ocidental se não fosse o poder do colonialismo. O próprio Marx credita isso em “A Origem do capital”, escrito introdutório de “O Capital” e Enrique Dussel mostra ser essa uma razão moderna da instrumentalização da nossa identidade. Enquanto uns crescem, outros são instrumentalizados, colonizados e escravizados, formando-se ali uma elite colonial a serviço do poder no sistema-mundo.
Só aqui tratamos de várias formas de poder e é exatamente o poder que queremos. Mas não queremos o poder para empoderar o capital, que nos relegou o exercício da escravidão, fingindo ser moderno. Queremos o poder para sermos, antes de tudo, anticapitalistas. É exatamente esse poder que poderá apontar saídas para uma nação em cacos, onde a ausência de política faz crescer o fascismo e empoderar o racismo.


Gabriel Nascimento é professor, escritor e cientista. É autor de “O maníaco das onze e meia” (Editora Multifoco) e “Este fingimento e outros poemas” (Editora García). 

Lorem ipsum dolor sit amet, consectetuer adipiscing elit, sed diam nonummy nibh euismod tincidunt ut laoreet dolore magna Veniam, quis nostrud exerci tation ullamcorper suscipit lobortis nisl ut aliquip ex ea commodo consequat.

0 comentários:

Postar um comentário

"A raça é um signo duplo, cujo significante aponta para dois significados: opressão e resistência"

Me escreva
GABRIEL NASCIMENTO
+7332888400
Porto Seguro, Bahia

Estante...