segunda-feira, 28 de março de 2016

A ÉTICA EM NIETZSCHE: ALGUMAS NOTAS


INTRODUÇÃO

            Até Nietzsche a Filosofia ocidental pontuou seus meandros pelo viés da moralidade cristã. Imbricada com um profundo platonismo sintomático, os filósofos ocidentais sempre pautaram suas inclinações e indagações filosóficas ou por um ethos exageradamente moralista, fundado na relação entre o mundano e o divino desde a Escolástica, sem resolver essa equação e clivagem, ou apresentando uma narrativa centrada exageradamente no logos ocidental, mais acentuadamente na modernidade.
            Friedrich Nietzsche foi um teólogo e filólogo alemão. Notabilizou-se primeiro pelas atividades acadêmicas. Logo após por se tornar um dos grandes primeiros críticos da modernidade e do logocentrismo ocidental. Paul Ricoeur (1983) o chamaria como um dos profetas da pós-modernidade, junto com Marx e Freud. Com dezenas de obras, a obra de Netzsche é hoje lida por diversas ciências sociais.
            Neste trabalho usaremos alguns tópicos da obra nietzschiana para dar enfoque ao seu pensamento. Entre os objetivos deste trabalho destaca-se a tentativa de revisitar tópicos da filosofia nietzschiana a partir da noção de ética e a posição de sua filosofia frente ao logocentrismo ocidental. Sobre a justificativa para chegar até este objeto, destacamos a necessidade de revisitar pontos fundamentais da filosofia nietzschiana e contextualizá-los na atual conjuntura mundial.
            Para dar luz às análises sobre a ética em Nietzsche, utilizaremos ideias de filósofos que herdaram as ideias de Nietzsche, como Foucault e Derrida, propiciando às análises aspectos mais críticos em relação à obra nietzschiana. Utilizamos como metodologia para este trabalho uma pesquisa bibliográfica, das obras do autor que utilizamos para pensar pontos do seu pensamento, e de ideias de autores que também discutem aspectos da ética ocidental.
            Como conclusões, destacamos reflexões sobre o mundo contemporâneo e o impacto do pensamento nietzschiano hoje. Entre as possibilidades de reflexão, enumeramos a profunda dificuldade de lidar com a razão numa era pós-moderna, sendo que ciência e religião se cruzam numa nova emboscada histórica, em que a resolução parece se configurar conforme Nietzsche analisou, sem que os extremos pareçam um caminho à pós-modernidade, mas sem que as incertezas pareçam ser a única resposta possível.


A ética em Nietzsche: aspectos iniciais

            Não há exatamente uma exploração da noção de ética por Nietzsche. Utilizaremos aqui algumas obras do filósofo que abandonam os preceitos da metafísica ocidental fundada na moralidade, com aspectos da moral que escravizou e escraviza seres humanos há séculos.
            Entre as obras que utilizaremos a fim de resenhar criticamente neste trabalho estão  Genealogia da moral, A Ciência Gaia e Assim Falou Zaratustra. Esses três escritos do filósofo são importantes porque dão conta dos temas que exploraremos: crítica da moralidade cristã e crítica do logocentrismo ocidental.

Crítica da moralidade cristã: aspectos fundamentais

            Tanto em Nietzsche (1998), obra que complementa Além do Bem e do Mal, quanto em Nietzsche (1977) o filósofo faz uma crítica dura à metafísica ocidental. Essas são duas das obras principais de crítica da metafísica ocidental. Refazendo o percurso da crítica ontológica do sujeito desde a Antiguidade Clássica, Nietzsche entende a metafísica como uma escravidão à qual o homem é submetido, tornando-se fraco, compassivo e medíocre. A moral a que o homem se submete após ser balizado pela metafísica é a moral de escravo, segundo o filósofo.
            Para Nietzsche, a compaixão e a fraqueza são características herdadas pelo homem da moralidade cristã. O maior símbolo do cristianismo é um sujeito fraco que morreu na cruz, provando fraqueza. Por outro lado, o filósofo é o autor da famosa metáfora Deus está morto, que entende o sepultamento da moral cristã como centro do pensamento ocidental a partir da modernidade. Essa famosa metáfora nos remete à ideia de que a razão teria substituído o deus cristão, inclusive se tornando uma espécie de outro deus. O abandono ao deus cristão é também o abandono ao mundo medieval em que a capilaridade da razão era mediada pelo divino.
            Para Nietzsche, a metafísica ocidental deve ser abandonada. Esse é um dos significados construídos a partir da metáfora Deus está morto. A moral cristã escravista, a que criou indivíduos fracos e compassivos, adoradores da moral e balizados por ela, é a mesma que se perpetua através das opressões, em que o instinto humano é atacado e aprisionado, como se fosse ele mesmo um mal para o ser humano. Para Nietzsche, principalmente em obras que não exploraremos mais profundamente aqui, como Ecce Homo, Humano, Demasiado Humano e Além do bem e do mal, o instinto é a natureza humana, livre e desimpedida de marcos de opressão impingidos pelo cristianismo.
            Por outro lado, o abandono à metafísica não significa apenas o abandono da moralidade cristã. Desde os primórdios da modernidade, a razão passou a integrar a metafísica. É o que trataremos na próxima seção.

A crítica do logocentrismo ocidental: De Nietzsche a Freud, Foucault e Derrida

            Tratar da ética em Nietzsche exige o tratamento do logocentrismo ocidental. Como falávamos na seção anterior, o abandono à metafísica ocidental não significa apenas o abandono à moralidade cristão. Para além disso, a razão ganhou muita força a partir da modernidade, tornando-se o centro excepcional de baliza do pensamento ocidental. Esse fenômeno é o logocentrismo, em que a razão passa a ser a noção primeira do pensamento único e centrado do homem ocidental.
            Nietzsche também imprime a esse pensamento a ideia de metafísica, uma vez que, como força externa ao sujeito, passa a guiar suas práticas. Assim é a razão, força que passa a mediar as práticas humanas a partir da modernidade, como retomada do pensamento racional ocidental desde a Antiguidade Clássica. É mais precisamente de Aristóteles que o guia para o pensamento racional ocidental se fortalece. Ou seja, não é somente numa crítica o platonismo que o pensamento nietzschiano se pauta, mas também ao pensamento cientificista, racionalista e positivista que passam a mediar os valores da modernidade. Bem como a moralidade cristã, o logocentrismo ocidental também compõe a metafísica e suas políticas opressoras. Assim, deve ser abandonado, como todo o resto da metafísica ocidental.
            As implicações de Nietzsche (2001) passam a ser preponderantes nas obras de importantes filósofos que compõe a chamada crítica da razão. Três deles são Freud, Foucault e Derrida.
            Freud, como fundador da Psicanálise, explora o trabalho e a as análises herdadas de Nietzsche a partir da relação entre psiquê e cultura, colocando a figura do inconsciente no lugar que Nietzsche colocava a figura do instinto (NIETZSCHE, 1998). A moral cristã e suas implicaturas ganham em Freud a noção de muleta para as deficiências do sujeito. Assim sendo, não há razão no sujeito, pois a Psicanálise, enquanto escola, prova que o sujeito não possui controle sobre suas escolhas no mundo.
            Por sua vez, Foucault é o grande filósofo do século XX a historicizar a forma como as ciências, e em especial a história, produzem e formatam seu conhecimento, excluindo e silenciando aspectos em sua composição, e incluindo fatores através da visão racionalista e excludente da epistemologia ocidental. Para além disso, Foucault historiciza aspectos da filosofia de Nietzsche, como a sexualidade, desde a Idade Média, a loucura a partir do surgimento da clínica moderna. Esses aspectos historiográficos ajudam a entender vários aspectos das escritas nietzschianas, como a centralidade dada à moralidade, a repressão às identidades sexuais e aos instintos etc.
            O último dos filósofos a ser explorado aqui, com forte interlocução com as escritas nietzschianas, é Derrida. Combatendo o grande arcabouço utilitarista do estruturalismo, Derrida é um grande crítico do binarismo ocidental, representado nas clivagens bem versus mal, certo versus errado etc. Derrida também combate o que chama de logofonocentrismo ocidental, a partir da predominância da cultura fonográfica, e da racionalização no derredor dela. Derrida herda de Nietzsche o combate ao logocentrismo, esse que predomina em todo o arcabouço ocidental desde o fim da Idade Média, mas herdeiro dos pilares instaurados pela razão a partir do mundo greco-latino.


 CONCLUSÃO
É chegado o mundo contemporâneo: algumas considerações

            Tecer algumas considerações sobre a ética em Nietzsche nos exige pensar o mundo contemporâneo, atravessado por diversas manifestações culturais e históricas. Entre elas o excesso de centralidade no papel do sistema capitalista e no condicionamento cada vez mais moralizante do ser humano a uma relativização pós-moderna.
            Pensar o mundo contemporâneo através da filosofia Nietezschiana nos faz retomar os aspectos mais fundamentais de sua obra, mesmo que não a tenhamos esgotado aqui, em que a crítica da metafísica ocidental perpassa a crítica de um guia absolutamente externo ao sujeito tomando-lhe por escravo. Tal são as faturas éticas da pós-modernidade, em que a identidade do sujeito passa por ebulição.
            O mundo contemporâneo passa por diversas concepções por seu pensamento. A crítica da razão parece ter esgotado seu projeto e a moralidade cristã não parece ter sido destruída, como queriam mesmo os extremistas positivistas do século XIX. Ou seja, um polo não eliminou o outro e, ao que parece, o homem contemporâneo parece andar à procura de paradigmas. A procura de paradigmas revela que o sujeito saiu da modernidade, mas a modernidade ainda não saiu do sujeito.
            Reler alguns pontos da filosofia nietzschiana nos faz perceber que a pós-modernidade trouxe, consigo, um excesso de relativização que, ela própria, tem funcionado dentro da metafísica ocidental. Ou seja, o excesso de relativização não aponta saídas para emancipação do sujeito, mas também um aprisionamento a uma forma de moralidade, essa concebida no espírito da pós-modernidade. Nietzsche entra na pós-modernidade como a possibilidade de fugir aos extremos que ela apresenta ao sujeito, como o excesso de retórica e mínimo de agência.
            Assim, em nosso trabalho destacamos aspectos da filosofia nietzschiana para mostrar como princípios da ética, essencialmente os de negação dos pilares opressores do mundo ocidental, se configura a partir da filosofia nietzschiana. O próximo passo é o desenvolvimento de trabalhos científicos que deem enfoque a uma visão crítica e menos culturalista da pós-modernidade. 





REFERÊNCIAS

NIETZSCHE, F. A gaia ciência. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
_________. Assim falou Zaratustra. Trad. Mário da Silva. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira: 1977.
_________. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

RICOEUR, Paul. Temps et Récit. Paris: Seuil, 1983.

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1 comentários:

Daniel Ngovene disse...

Bom dia gostaria de aprofundar o pensamento de Nietzsche

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"A raça é um signo duplo, cujo significante aponta para dois significados: opressão e resistência"

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