A ÉTICA EM NIETZSCHE: ALGUMAS NOTAS
INTRODUÇÃO
Até
Nietzsche a Filosofia ocidental pontuou seus meandros pelo viés da moralidade
cristã. Imbricada com um profundo platonismo sintomático, os filósofos
ocidentais sempre pautaram suas inclinações e indagações filosóficas ou por um ethos exageradamente moralista, fundado
na relação entre o mundano e o divino desde a Escolástica, sem resolver essa
equação e clivagem, ou apresentando uma narrativa centrada exageradamente no logos ocidental, mais acentuadamente na
modernidade.
Friedrich
Nietzsche foi um teólogo e filólogo alemão. Notabilizou-se primeiro pelas
atividades acadêmicas. Logo após por se tornar um dos grandes primeiros
críticos da modernidade e do logocentrismo ocidental. Paul Ricoeur (1983) o
chamaria como um dos profetas da pós-modernidade, junto com Marx e Freud. Com
dezenas de obras, a obra de Netzsche é hoje lida por diversas ciências sociais.
Neste
trabalho usaremos alguns tópicos da obra nietzschiana para dar enfoque ao seu
pensamento. Entre os objetivos deste trabalho destaca-se a tentativa de
revisitar tópicos da filosofia nietzschiana a partir da noção de ética e a
posição de sua filosofia frente ao logocentrismo ocidental. Sobre a
justificativa para chegar até este objeto, destacamos a necessidade de
revisitar pontos fundamentais da filosofia nietzschiana e contextualizá-los na
atual conjuntura mundial.
Para
dar luz às análises sobre a ética em Nietzsche, utilizaremos ideias de
filósofos que herdaram as ideias de Nietzsche, como Foucault e Derrida,
propiciando às análises aspectos mais críticos em relação à obra nietzschiana.
Utilizamos como metodologia para este trabalho uma pesquisa bibliográfica, das
obras do autor que utilizamos para pensar pontos do seu pensamento, e de ideias
de autores que também discutem aspectos da ética ocidental.
Como
conclusões, destacamos reflexões sobre o mundo contemporâneo e o impacto do
pensamento nietzschiano hoje. Entre as possibilidades de reflexão, enumeramos a
profunda dificuldade de lidar com a razão numa era pós-moderna, sendo que
ciência e religião se cruzam numa nova emboscada histórica, em que a resolução
parece se configurar conforme Nietzsche analisou, sem que os extremos pareçam
um caminho à pós-modernidade, mas sem que as incertezas pareçam ser a única
resposta possível.
A
ética em Nietzsche: aspectos iniciais
Não
há exatamente uma exploração da noção de ética por Nietzsche. Utilizaremos aqui
algumas obras do filósofo que abandonam os preceitos da metafísica ocidental
fundada na moralidade, com aspectos da moral que escravizou e escraviza seres
humanos há séculos.
Entre
as obras que utilizaremos a fim de resenhar criticamente neste trabalho estão Genealogia da moral, A Ciência Gaia e Assim Falou Zaratustra. Esses três
escritos do filósofo são importantes porque dão conta dos temas que
exploraremos: crítica da moralidade cristã e crítica do logocentrismo
ocidental.
Crítica
da moralidade cristã: aspectos fundamentais
Tanto
em Nietzsche (1998), obra que complementa Além
do Bem e do Mal, quanto em Nietzsche (1977) o filósofo faz uma crítica dura
à metafísica ocidental. Essas são duas das obras principais de crítica da
metafísica ocidental. Refazendo o percurso da crítica ontológica do sujeito
desde a Antiguidade Clássica, Nietzsche entende a metafísica como uma escravidão
à qual o homem é submetido, tornando-se fraco, compassivo e medíocre. A moral a
que o homem se submete após ser balizado pela metafísica é a moral de escravo,
segundo o filósofo.
Para
Nietzsche, a compaixão e a fraqueza são características herdadas pelo homem da
moralidade cristã. O maior símbolo do cristianismo é um sujeito fraco que
morreu na cruz, provando fraqueza. Por outro lado, o filósofo é o autor da
famosa metáfora Deus está morto, que
entende o sepultamento da moral cristã como centro do pensamento ocidental a
partir da modernidade. Essa famosa metáfora nos remete à ideia de que a razão
teria substituído o deus cristão, inclusive se tornando uma espécie de outro
deus. O abandono ao deus cristão é também o abandono ao mundo medieval em que a
capilaridade da razão era mediada pelo divino.
Para
Nietzsche, a metafísica ocidental deve ser abandonada. Esse é um dos
significados construídos a partir da metáfora Deus está morto. A moral cristã escravista, a que criou indivíduos
fracos e compassivos, adoradores da moral e balizados por ela, é a mesma que se
perpetua através das opressões, em que o instinto humano é atacado e
aprisionado, como se fosse ele mesmo um mal para o ser humano. Para Nietzsche,
principalmente em obras que não exploraremos mais profundamente aqui, como Ecce Homo, Humano, Demasiado Humano e Além do bem e do mal, o instinto é a
natureza humana, livre e desimpedida de marcos de opressão impingidos pelo
cristianismo.
Por
outro lado, o abandono à metafísica não significa apenas o abandono da
moralidade cristã. Desde os primórdios da modernidade, a razão passou a
integrar a metafísica. É o que trataremos na próxima seção.
A
crítica do logocentrismo ocidental: De Nietzsche a Freud, Foucault e Derrida
Tratar da ética
em Nietzsche exige o tratamento do logocentrismo ocidental. Como falávamos na
seção anterior, o abandono à metafísica ocidental não significa apenas o
abandono à moralidade cristão. Para além disso, a razão ganhou muita força a
partir da modernidade, tornando-se o centro excepcional de baliza do pensamento
ocidental. Esse fenômeno é o logocentrismo, em que a razão passa a ser a noção
primeira do pensamento único e centrado do homem ocidental.
Nietzsche
também imprime a esse pensamento a ideia de metafísica, uma vez que, como força
externa ao sujeito, passa a guiar suas práticas. Assim é a razão, força que
passa a mediar as práticas humanas a partir da modernidade, como retomada do
pensamento racional ocidental desde a Antiguidade Clássica. É mais precisamente
de Aristóteles que o guia para o pensamento racional ocidental se fortalece. Ou
seja, não é somente numa crítica o platonismo que o pensamento nietzschiano se
pauta, mas também ao pensamento cientificista, racionalista e positivista que
passam a mediar os valores da modernidade. Bem como a moralidade cristã, o
logocentrismo ocidental também compõe a metafísica e suas políticas opressoras.
Assim, deve ser abandonado, como todo o resto da metafísica ocidental.
As
implicações de Nietzsche (2001) passam a ser preponderantes nas obras de
importantes filósofos que compõe a chamada crítica da razão. Três deles são
Freud, Foucault e Derrida.
Freud,
como fundador da Psicanálise, explora o trabalho e a as análises herdadas de
Nietzsche a partir da relação entre psiquê e cultura, colocando a figura do
inconsciente no lugar que Nietzsche colocava a figura do instinto (NIETZSCHE,
1998). A moral cristã e suas implicaturas ganham em Freud a noção de muleta
para as deficiências do sujeito. Assim sendo, não há razão no sujeito, pois a
Psicanálise, enquanto escola, prova que o sujeito não possui controle sobre
suas escolhas no mundo.
Por
sua vez, Foucault é o grande filósofo do século XX a historicizar a forma como
as ciências, e em especial a história, produzem e formatam seu conhecimento,
excluindo e silenciando aspectos em sua composição, e incluindo fatores através
da visão racionalista e excludente da epistemologia ocidental. Para além disso,
Foucault historiciza aspectos da filosofia de Nietzsche, como a sexualidade,
desde a Idade Média, a loucura a partir do surgimento da clínica moderna. Esses
aspectos historiográficos ajudam a entender vários aspectos das escritas
nietzschianas, como a centralidade dada à moralidade, a repressão às
identidades sexuais e aos instintos etc.
O
último dos filósofos a ser explorado aqui, com forte interlocução com as
escritas nietzschianas, é Derrida. Combatendo o grande arcabouço utilitarista
do estruturalismo, Derrida é um grande crítico do binarismo ocidental,
representado nas clivagens bem versus mal,
certo versus errado etc. Derrida
também combate o que chama de logofonocentrismo ocidental, a partir da
predominância da cultura fonográfica, e da racionalização no derredor dela. Derrida
herda de Nietzsche o combate ao logocentrismo, esse que predomina em todo o
arcabouço ocidental desde o fim da Idade Média, mas herdeiro dos pilares
instaurados pela razão a partir do mundo greco-latino.
CONCLUSÃO
É
chegado o mundo contemporâneo: algumas considerações
Tecer
algumas considerações sobre a ética em Nietzsche nos exige pensar o mundo
contemporâneo, atravessado por diversas manifestações culturais e históricas.
Entre elas o excesso de centralidade no papel do sistema capitalista e no
condicionamento cada vez mais moralizante do ser humano a uma relativização
pós-moderna.
Pensar
o mundo contemporâneo através da filosofia Nietezschiana nos faz retomar os
aspectos mais fundamentais de sua obra, mesmo que não a tenhamos esgotado aqui,
em que a crítica da metafísica ocidental perpassa a crítica de um guia
absolutamente externo ao sujeito tomando-lhe por escravo. Tal são as faturas
éticas da pós-modernidade, em que a identidade do sujeito passa por ebulição.
O
mundo contemporâneo passa por diversas concepções por seu pensamento. A crítica
da razão parece ter esgotado seu projeto e a moralidade cristã não parece ter
sido destruída, como queriam mesmo os extremistas positivistas do século XIX.
Ou seja, um polo não eliminou o outro e, ao que parece, o homem contemporâneo
parece andar à procura de paradigmas. A procura de paradigmas revela que o
sujeito saiu da modernidade, mas a modernidade ainda não saiu do sujeito.
Reler
alguns pontos da filosofia nietzschiana nos faz perceber que a pós-modernidade
trouxe, consigo, um excesso de relativização que, ela própria, tem funcionado
dentro da metafísica ocidental. Ou seja, o excesso de relativização não aponta
saídas para emancipação do sujeito, mas também um aprisionamento a uma forma de
moralidade, essa concebida no espírito da pós-modernidade. Nietzsche entra na
pós-modernidade como a possibilidade de fugir aos extremos que ela apresenta ao
sujeito, como o excesso de retórica e mínimo de agência.
Assim,
em nosso trabalho destacamos aspectos da filosofia nietzschiana para mostrar
como princípios da ética, essencialmente os de negação dos pilares opressores
do mundo ocidental, se configura a partir da filosofia nietzschiana. O próximo
passo é o desenvolvimento de trabalhos científicos que deem enfoque a uma visão
crítica e menos culturalista da pós-modernidade.
REFERÊNCIAS
NIETZSCHE, F. A gaia ciência. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia
das Letras, 2001.
_________. Assim falou Zaratustra. Trad. Mário da Silva. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira: 1977.
_________. Genealogia da Moral. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
1 comentários:
Bom dia gostaria de aprofundar o pensamento de Nietzsche
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